Todo mundo tem ex, mas nem todos se relacionam com
elas (ou eles) da mesma maneira. Boa parte dos homens ao meu redor, por
exemplo, parece se dar excepcionalmente bem com as mulheres do passado deles.
Falam com elas, jantam com elas, vão a festas com elas. (...)
Quando se fica muito tempo com a mesma pessoa,
sobretudo quando se é muito jovem, ocorre uma troca imensa e transformadora.
Quem teve namoros longos na adolescência sabe como é. A gente cresce, aprende e
se forma sob o olhar do outro, com a influência dele. Há o jeito de transar, o
jeito de gostar, o jeito de pensar e conversar. Os valores. Somos esponjas e
nos embebemos de quem está tão perto num período tão crucial.
Logo depois, na juventude, ocorre coisa semelhante.
Você dá passos essenciais na vida – termina a faculdade, arruma o primeiro
emprego, vai morar junto - em companhia de alguém que influencia e partilha as
suas escolhas. Os amigos estão lá, claro. A família nunca deixa de ser
importante. Mas é essa namorada (ou namorado) que divide intimamente os
primeiros eventos da vida adulta, quando estamos aprendendo quem somos e o que
queremos. A pessoa ao lado ajuda a moldar nossas definições.
Isso vale para os períodos posteriores da vida. Os
nossos parceiros são parte essencial de tudo. Viajam conosco, riem conosco,
trabalham conosco, cuidam de nós. Quem me deu aquele livro? Quem me apresentou
aquela banda? Quem estava comigo na noite em que morreu aquele amigo? Ninguém
pode dimensionar o valor das tardes de encantamento que as pessoas amadas nos deram.
Ninguém sabe o quanto elas são importantes.
Uma das minhas teorias (descartáveis) sobre o amor
é que apenas o tempo nos permite avaliar sua real importância. A pessoa passa
pela nossa vida de um jeito rápido, quase acidental, e, anos depois, por força
das memórias que insistem em voltar, a gente percebe que ela sobrevive em nós,
apesar de ter estado tão pouco tempo conosco. (...)
Vista de um jeito triste, a vida é uma longa
enumeração de perdas, mas algumas delas são totalmente desnecessárias. É como
se não soubéssemos como o tempo e os afetos são importantes e saíssemos por aí
desperdiçando.
(...)
Quando estamos apaixonados e levamos um pé na
bunda, temos a tendência, muito humana, de querer ficar por perto, “como
amigo”. Mentira. Todo mundo já fez isso, mas é bobagem. Dói muito e não adianta
nada. Quanto termina, a gente tem de cair fora. A amizade virá depois, quando
as sensações mútuas forem outras.
Há quem defenda a teoria de que relações de amizade
entre gente que se amou são impossíveis. É outro jeito de dizer que relações
erotizadas serão assim para sempre. Eu não acho. Os sentimentos, como a água,
correm e vão parar em outro lugar. Eles tomam outra forma. A atração e o desejo
não desaparecem inteiramente, mas se integram a outro contexto. Exacerbam o
carinho por aquela pessoa que já foi tão próxima. Criam uma camada de
compreensão que não existe em outras relações. Depois que o amor e a dor
ficaram para trás, permanece um afeto contaminado pela antiga intimidade. Eu
gosto desse sentimento, aprendi que ele é uma parte boa da vida, sei que é mais
gostoso, infinitamente mais doce, que o vazio das relações que se extinguiram –
que nós permitimos que se extinguissem.
Ivan Martins
Vista de um jeito triste, a vida é uma longa enumeração de perdas, mas algumas delas são totalmente necessárias...(por força das memórias que insistem em voltar).
ResponderExcluir